No bairro da Barra, em Balneário Camboriú, existe uma passagem estreita, entre muros baixos e quintais antigos, por onde pescadores circulam todos os dias. É uma daquelas vielas que mais parecem túneis do tempo. Cada canto carrega lembranças que ainda moram no coração do bairro. Agora, esse pequeno caminho pode ganhar um nome que traz muito mais do que letras numa placa: Servidão Pescador Zezinho do Graça.
“Cresci vendo o Zezinho na beira do rio, no barco, ajudando os vizinhos. Ele era presença, era trabalho, era respeito. Muita gente da minha geração aprendeu com ele sem nem perceber. Essa homenagem é justa porque representa a alma da Barra”, disse Grasiela Martins, subprefeita da Barra, lembrando com afeto de quem viu crescer nas margens do rio.
José Arlindo da Silva, conhecido como Zezinho do Graça, nasceu e viveu na Barra. Viveu da pesca e pela pesca. Criou seus 14 filhos praticamente sozinho, depois da morte da esposa, com o sustento que tirava do rio e do mar. Todos nasceram e cresceram ali, entre redes, madrugadas, pescas e defesos. Muitos deles ainda vivem no bairro e continuam na pesca artesanal, mantendo uma tradição que atravessa gerações.
“Ele foi um homem bom. De igreja, de família, amigo de todo mundo. Nunca foi de falar muito, mas estava sempre ali, fazendo. Ver o nome dele na rua onde ele passou tantas vezes seria motivo de orgulho, não só pra mim, mas pra todos que conheceram ele”, falou Dona Marilda, viúva de Zezinho, com a voz embargada de saudade e gratidão.
Zezinho não era apenas pescador. Era também vizinho, amigo, figura presente nas ruas, nos barcos e nas histórias. Tinha o sorriso fácil, a fala simples e uma força que vinha do cotidiano duro, mas cheio de sentido. Quem conheceu, lembra. Quem não conheceu, ouve falar como se ainda estivesse ali.
Após sua morte, no início de 2025, moradores do bairro se reuniram para formalizar um desejo coletivo. Um abaixo-assinado foi entregue à Câmara de Vereadores pedindo a oficialização da servidão com o nome do pescador. O documento é mais do que um pedido — é um gesto de quem entende que o bairro também se escreve com nomes de quem o construiu com as próprias mãos.
A proposta está em discussão por meio do Projeto de Lei Ordinária nº 91/2025, apresentado pela vereadora Ciça Müller (PDT), que reforça a importância de valorizar a pesca artesanal e a identidade da Barra. A homenagem não é um ponto final, mas a continuação de uma história que ainda pulsa no bairro.
“Moro na Barra há quase dez anos e sempre ouvi falar do Zezinho com muito respeito. Era visto por todos como um ótimo vizinho, um morador querido, um homem de fé e de família. Dar seu nome a essa servidão é reconhecer alguém que representa o espírito simples e verdadeiro do nosso bairro”, afirmou a vereadora Ciça Müller, olhando com respeito para as memórias que seguem vivas na comunidade.
Zezinho faleceu no dia 20 de fevereiro de 2025, aos 72 anos, deixando um silêncio difícil de preencher. Foi sepultado no Cemitério Municipal da Barra, o mesmo lugar onde nasceu, viveu, trabalhou, criou sua família e construiu sua história. Para muitos vizinhos, sua partida foi tão repentina quanto dolorosa, e ainda hoje é lembrada com carinho por quem o conheceu de perto.
“Mesmo não sendo nascida aqui, sempre ouvi falar do Zezinho com carinho. Quando ele partiu, a comunidade sentiu de verdade. Era como se um pedaço da história tivesse ido junto. Dar o nome dele à servidão é fazer esse pedaço permanecer com a gente”, completou Áurea Loch, presidente da Associação de Moradores da Barra, que se sente parte viva dessa memória coletiva.
Colocar seu nome na servidão é mais do que uma homenagem. É um jeito de dizer que ele não saiu dali. Que a Barra reconhece seus próprios passos. Que o bairro sabe onde mora sua memória. E que, entre o concreto e o sal, há pessoas que ainda acreditam que uma rua, sim, pode contar uma história inteira.