Especialista reforça que saúde física e mental são indissociáveis e que a prevenção começa na qualidade das relações humanas e no autocuidado
A cada 34 minutos, uma pessoa tira a própria a vida no Brasil conforme estimativas do Ministério da Saúde.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que para cada morte por suicídio há vinte tentativas e cinco a seis pessoas próximas sofrem com consequências emocionais, sociais e econômicas.
Diante do tabu, falar sobre o assunto, entender o fenômeno e estar atento a quem a gente ama pode ser o jeito mais eficaz de evitar a tragédia, muitas vezes silenciosa, alertam especialistas.
Para a professora de Psicologia da UniSociesc, Carolina Beckert Polli, o Setembro Amarelo, mês de conscientização sobre a prevenção ao suicídio, é um convite à reflexão coletiva. “Saúde mental e física são indissociáveis. Somos um ser integral.
Tudo o que passa no nosso corpo afeta a nossa mente, e vice-versa. Portanto, quando cuidamos das nossas emoções, estamos impedindo também que o corpo adoeça”, explica.
Um dos primeiros passos para romper o ciclo de silêncio é aprender a identificar os sinais de que a saúde mental não vai bem. Segundo Carolina, é preciso atenção às mudanças: “o desinteresse pelas coisas que, até então, gostávamos, o cansaço maior do que o normal ou a tristeza persistente são alguns dos indicativos importantes”, enumera.
A psicóloga destaca que os sintomas podem não ser apenas emocionais, manifestando-se também fisicamente. “Gastrite recorrente, coração que palpita ou sudorese sem causa específica, quando passam a ser mais intensos e acontecer com muita frequência, indicam que algo não está bem e pode não ser apenas uma questão física.
Em alguns casos, podem ser nossas emoções ligando o alerta no nosso corpo”, reforça.
A boa notícia é que o cuidado com a mente pode ser incorporado ao cotidiano de forma simples e acessível.
A prática regular de exercícios físicos, por exemplo, é uma poderosa aliada.
“Uma caminhada, especialmente ao ar livre, estimula a produção de neurotransmissores como endorfinas, com efeitos comparáveis aos de medicamentos em alguns sintomas”, comenta a professora.
Outra dica da especialista é cultivar o hábito de permanecer no presente:
“sinta o cheiro do café, respire fundo, perceba cada pequeno momento como conquista”.
Pequenas pausas, o chamado “ócio criativo”, e a prática da gentileza consigo mesmo entram na lista de ações que aliviam o sofrimento cotidiano.
Quebrando preconceitos e buscando ajuda
Embora a procura pela psicologia clínica venha aumentando nos últimos anos, muitas pessoas ainda nutrem um preconceito que impede o acesso a tratamentos essenciais.
A professora ressalta que essa visão está ligada a uma cultura de produtividade e de “ditadura da felicidade”, em que o sofrimento é visto como algo que não pode existir.
Para Carolina, campanhas como o Setembro Amarelo são fundamentais para mudar esse cenário.
“Falar sobre isso faz com que as pessoas percebam que é normal, às vezes, não estar bem.
A prevenção começa na qualidade que a gente tem com o outro, na construção da empatia, do carinho, do afeto.
Essa é a base para prevenir situações mais graves”.
Para quem esbarra na questão financeira, a professora lembra que existem alternativas seguras e acessíveis aos atendimentos particulares.
“A maioria das pessoas desconhece as políticas públicas de saúde mental e os próprios serviços oferecidos por instituições de ensino, que oferecem atendimentos gratuitos ou com valores muito acessíveis .
Temos muitos serviços que estão aí para serem utilizados”, destaca.
Além disso, Carolina reforça o papel vital do Centro de Valorização da Vida (CVV) no Brasil inteiro.
“O telefone é 188. Ele funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, com profissionais capacitados para acolher pessoas em crise”.
O CVV ainda faz atendimento por chat e e-mail via site www.cvv.org.br.
Autocuidado: um olhar para si mesmo
Por fim, a especialista desmistifica o conceito de autocuidado, explicando que vai muito além de rituais de beleza.
“É a gentileza consigo mesmo.
Começa por diminuir a exigência e a cobrança e em se permitir fazer nada”.
Segundo ela, o autocuidado também inclui o estabelecimento de limites saudáveis.
Aprender a dizer “não” é crucial, e isso não precisa ser feito de forma grosseira. “Dizer ‘não’ para os outros, muitas vezes, é dizer ‘sim’ para si mesmo”, alerta.
Caso contrário, a pessoa acumula frustrações, o que pode sobrecarregar e adoecer as relações.
Falar sobre saúde mental também é um caminho para a prevenção e o cuidado.
“Conversar sobre isso faz com que as pessoas percebam que não estão sozinhas e que é normal não estar bem.
Isso também incentiva a empatia e o carinho nas relações”, pontua a professora.
Para quem está passando por um momento difícil e enfrentando problemas com a saúde mental, a especialista deixa uma mensagem de esperança. “Sempre há saída.
A dor e a tristeza são condições humanas e é importante saber que ninguém precisa enfrentá-las sozinho.
Os profissionais de saúde mental estão preparados para ajudar e dar todo o suporte necessário para que esses sentimentos sejam superados”.